Flavio José botou a boca no trombone em Campina Grande, cujo São João privilegia sertanejos e afins

A polêmica diminuição de tempo do show de Flávio José, no São João de Campina Grande (PB), acabou beneficiando a ele e aos demais forrozeiros. Flávio e o forró autêntico não receberiam tanto espaço na imprensa, e mídias sociais, se a sua apresentação não tivesse sido reduzida a um pocket-show, levando-o a botar a boca no trombone contra o desrespeito não apenas ao artista, mas ao gênero que canta.

Por não botarem as bocas nos trombones os forrozeiros foram passados pra trás nos maiores arraiais juninos nordestinos. Cá mesmo, no Forró da Capitá, promovido todos os anos, nesta época, pelo Classic Hall, o gênero foi relegado a um setor secundário. Ocupa uma acanhada sala de reboco, enquanto as bandas de fuleiragem ou sertanejos tocam no confortável e vistoso palco reservado às maiores atrações.
Raros foram os forrozeiros que chiaram quando começou a descaracterização da festa. Agora é tarde, e Marinês está morta.

Cito Marinês porque, acho que em 2003, a vi apresentando-se no Sítio da Trindade, no Recife. Desfiava um fileira de clássicos de seu repertório diante da indiferença da maioria da plateia. Certamente, o pessoal preferia uma banda de fuleiragem, então no auge.
O público desses gigantescos festejos juninos está condicionado aos megaespetáculos de sertanejos, das cantoras pop, de astros do piseiro, ou da axé. Esses artistas vêm com uma estrutura de equipamento e palco iguais a dos superstars americanos ou europeus. O palco montado no Marco Zero, meses atrás, para João Gomes, não ficava a dever em nada ao dos Rolling Stones ou Taylor Swift. Para a imensa maioria dessas plateias, a música é uma parte de um combo. Quer ver o astro que aparece nos programas da TV Globo, tem música em novelas, ou séries, e está em todos os blogs de fofocagem de influencers famosos.
Um forrozeiro tradicional, com um show de mais de uma hora, vai chatear os jovens que vieram ver Gusttavo Lima, pode ter deduzido a produção do São João campinense

Querem constatar a minha asserção? Passem um clássico do cinema dos anos 50, em preto & branco, pra adolescentes acostumados a filmes recheados de efeitos especiais, muita ação, som barulhento. Casablanca, por exemplo. Em 15 minutos estarão dormindo, ou se recusarão a continuar assistindo àquele filme porre.

FLÁVIO JOSÉ

Paraibano, de Monteiro, Flávio José tem 72 anos de idade, e 45 de carreira. Mais cantor do que compositor, ele se tornou uma das grandes vozes do forró, que andou meio por baixo na segunda metade da década de 80. No final daquela década, o gênero começou a ser renovado por uma leva de jovens compositores. Uma reação, não premeditada, à enxurrada de bandas surgidas no Ceará. tocando lambada estilizada, com clara inspiração no Kaoma, o grupo armado por empresários franceses, com músicos brasileiros, caribenhos, e franceses, do superhit Llorando se fue (Chorando se Foi).

Inicialmente o estilo foi rotulado de oxente music. Provavelmente para ter acesso aos arraiais juninos acrescentaram o “forró” no nome. O empresário Manoel Gurgel dono da Mastruz com Leite e outros grupos semelhantes, fundou uma rede de emissoras SomZoom Sat espalhada pelo Nordeste. Tocando incessantemente suas bandas, que  arrebanharam um séquito enorme de fãs na região, lotando seus shows e comprando-lhes os discos.

 E assim se deu a primeira invasão das bandas cearenses (em Pernambuco se chamou também de fuleiragem music, pois “fuleiragem” era uma das expressões mais usadas pelos vocalistas). Em quase todos os estados nordestinos surgiram bandas badaladas, como a Calcinha Preta, de Sergipe.

O cantor e compositor Maciel Melo foi o primeiro, da citada nova geração do forró da linha gonzagueana, gravado por Flavio José (Que Nem Vem Vem, em 1991), No ano seguinte gravaria Caboclo Sonhador, também de Maciel Melo, um estrondoso sucesso. Tocou tanto, em todo o Nordeste, a ponto de ele ficar conhecido como o “Caboclo Sonhador”. Flavio descobriu em seguida Accioly Neto (Lembrança de Um Beijo, Avoante, 1994), Vieram então Petrúcio Amorim (Tareco e Mariola), em 1995. O forte nos seus discos, sobretudo nos anos 90, era, pois, a música de Accioly Neto, Aracílio Araújo, Maciel Melo, Petrúcio Amorim, Anchieta Dali, os irmãos Luiz Homero e Miguel Marcondes, entre outros.   

Sua popularidade despertou a curiosidade da imprensa do Sudeste. Em 1997, A Folha de São Paulo abriu um generoso espaço para Flávio José que poucas vezes voou além dos estados nordestinos. Não apenas ele. A geração forrozeira dos anos 90 optou em permanecer em casa. Neste caso, a maioria em Pernambuco. Flávio José continuou morando em sua cidade, Monteiro, no sertão paraibano. O que era compreensível.

O novo forró, autores e intérpretes tiraram o gênero da sazonalidade, fazendo shows o ano inteiro, sem precisar emigrar. Por sua vez, os compositores faturavam também com direitos autorais, pois caíram nas graças de nomes como Fagner, Elba Ramalho, Amelinha, Joanna, ou Zé Ramalho, artistas de grande público de alcance nacional.  

E assim se passaram 30 anos. Desde então, sertanejos e afins têm carreiras administradas por megaempresários, que lhes suprem com uma megaestrutura. Ao mesmo tempo, lhes conseguem as mais badaladas vitrines na TV, e muita execução em rádios de alta audiência. Boa parte deles contou com o reforço da Som Livre então um dos braços dos sistema Globo. Contratados da gravadora frequentavam os principais programas da TV Globo, e entram nas trilhas das novelas.

Logo ocuparam as grandes festas do país, com ênfase no São João, que é a maior de todas elas. Contam-se nos dedos as cidades com carnavais grandiosos. Enquanto o São João é festejado, em centenas de cidades por todo o Nordeste, tanto nas capitais, quanto nas grandes cidades do interior. Em muita delas, a programação vai de abril ao início de julho. Há lugar para todos, menos no palco principal. Neles predominam as estrelas nacionais, inclusive padre cantores e DJs. Flavio José, o caboclo sonhador, depois dessa, não sonha mais.  

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